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Filmes Trash: muito mais do que lixo

14:19Ayllana Ferreira

“O preconceito existe e nasce da ignorância e da arrogância daqueles que não se interessam em estudar”.

Texto em parceria com Pietra Pessoa



Sinopse 1: Lixo radioativo foi despejado em uma represa, causando mutação em todos os castores da região. Eles se transformam em perigosos castores zumbis, com uma enorme sede de sangue, dispostos a perseguir suas vítimas a fim de se alimentar; Sinopse 2: Um grande tornado surge no litoral da Califórnia, destruindo tudo ao seu alcance, e o pior de tudo, sugando milhares de tubarões para dentro do tornando, formando um mortífero tornado de tubarões, levando as criaturas pela água, terra e mar, causando enorme destruição e muitas mortes; E por fim, Sinopse 3: Pessoas mutiladas e feridas começam a aparecer em um hospital de uma cidade local, dentre elas, Cherry, uma ex-dançarina que foi atacada por um grupo de pessoas canibais infectadas, tendo sua perna arrancada. Com uma metralhadora no lugar do membro perdido, esta lidera um grupo de sobreviventes.

As três situações citadas acima correspondem a resumos de três produções famosas do subgênero Trash – Zombeavers, Sharknado e Planeta Terror. Em uma pesquisa realizada com 164 pessoas de diferentes idades, 43,6 % dos entrevistados não sabiam o que era um filme Trash. Quando perguntados o que achavam do estilo, 28% das pessoas apresentaram críticas ruins, 26,8% apresentavam críticas positivas e 45% das pessoas não possuíam uma opinião. Se é um subgênero relativamente conhecido, por que tão poucas pessoas sabem o que é um Trash, ou possuem opiniões tão negativas?

Categorizar um filme Trash é algo difícil, visto que constituem um subgênero, e possuem várias características semelhantes a outros estilos. Apesar de a maioria das associações serem feitas com o gênero Terror, não é bem assim. Inquestionavelmente, um Trash possui uma baixa produção, elenco pouco reconhecido, roteiros excêntricos, estereotipação e sexualização dos personagens, e principalmente, a forte presença de humor negro. Ou seja, essas produções podem ir desde filmes como Todo Mundo em Pânico à Morte do Demônio.
Piranhas 3DD, um filme com tanta boas atuações quanto pessoas de terno
O primeiro filme considerado como Trash foi “A Casa dos Maus Espíritos”, e o editor Alexandre Koball, do site Cineplayers, postou no seu site uma das críticas mais famosas sobre aquele: “Na década de 1950 o cinema de terror existia para assustar, e não para mostrar efeitos especiais e corpos sarados de adolescentes. Foi o auge do Cinema Fantástico, no início da Guerra Fria, dos filmes B de terror e ficção científica. Sempre renegados a serem conhecidos como “diversão descompromissada”, esses filmes têm, dentro de muitos cinéfilos, um lugar especial – não pelas atuações, direção e roteiro primorosos, que são elementos que definitivamente são raros nessas obras – mas porque remetem a um tipo de cinema que simplesmente não existe mais. A Casa dos Maus Espíritos é um desses filmes.”

Um erro comum ao analisar um filme Trash é pensar que este deve ser limitado como uma obra comum. Um filme desses possuí características próprias, já que possuí um público específico e um objetivo diferenciado. O escritor Pablo Villaça afirma que “as pessoas não sabem que existem características indissociáveis de um filme trash, como produção de orçamento nulo, temas rasos, investida superficial em gêneros, etc.”



O QUE UM FILME TRASH TEM A DIZER...

Cena do filme “Planeta Terror”
Constantemente, os Trash são vítimas de preconceito por possuírem histórias excêntricas e fora dos padrões. No entanto, até mesmo as produções mais surreais possuem um objetivo. Carolina Rodrigues, estudante de Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design na UFJF, diz que “existem filmes que são propositalmente malfeitos e surreais, como Evil Dead 2 e Sharknado, e filmes que são feitos com o objetivo de assustar e acabam sendo cômicos, como a refilmagem de Godzilla e a adaptação Christine. Existe uma linha que separa os filmes trash entre bons e ruins, e essa linha parece levar em conta se o filme se leva a sério demais ou não, influenciando a visão do público sobre ele. Portanto, o trash, sendo uma expressão do cinema como qualquer outra, pode ser usado de maneira criativa e única e também de maneira desnecessária; tudo depende de como a equipe de produção irá usar os recursos disponíveis.”

Na pesquisa feita, com 164 pessoas, das 56,4% que sabiam o que era um filme Trash, 49,6% destas acreditam que são produções desnecessárias e ou lixo cinematográfico. Para Octaviano Caruso, membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeira (ACCRJ), um Trash é muito mais que isso “Como apaixonado por essa arte, sou incapaz de enxergar como “lixo” o trabalho de meses da equipe de um filme, por mais despretensioso que o projeto seja. Sei que existem cineastas e produtoras pequenas que encontraram nesse “estilo” um nicho de mercado, como a Asylum, de obras como “Sharknado”, mas eu prefiro enxergar a malandragem criativa como uma qualidade, especialmente por entregar exatamente o que o público deles procura”.

Ou seja, para a real compreensão dos filmes Trash, é necessária uma visão livre de padrões e preconceitos, é preciso achar beleza, ou até mesmo feiura, na inovação e na excentricidade. Caruso enfatiza isso dizendo que “É mais confortável para alguém que seja inseguro intelectualmente cochilar durante as 3 horas de uma árvore balançando ao vento em um daqueles filmes umbilicais modorrentos, fazendo questão de dizer que “não é pra qualquer um”, do que efetivamente sentar e ler toda a obra dos filósofos que citam usualmente, frases descontextualizadas pinçadas do Wikipédia e daqueles sites tipo “Frases de Pensadores”. Entende a analogia? A maioria das pessoas, especialmente no Brasil, busca “parecer ser”, ao invés de “ser”. Então, filmes com essa pegada mais despretensiosa, mais divertida, são rejeitados, porque não oferecem “base” pras ilusões que essas pessoas defendem diariamente. É como a jovem que passa por uma livraria reclamando do preço alto dos livros, mas entra na joalheria chique ao lado e gasta o triplo daquele valor em um brinquinho minúsculo. O preconceito existe e nasce da ignorância e da arrogância daqueles que não se interessam em estudar.”



COMO SURGE A IDEIA DE UM FILME DESSES



Algumas vezes, as ideias de produções Trash surgem como alternativas para diretores que estão começando carreira. Renato da Silva Pastor, criador da página do Facebook “Humor Trash” explica que “o primeiro filme que James Cameron dirigiu foi ‘Piranhas 2’. Peter Jackson dirigiu vários clássicos do Trash, como ‘Fome Animal’ e ‘Bad Taste’ em início de carreira. Existe um lugar nos filmes Trash para artistas que não teriam a oportunidade de ser vistos de outra maneira. Há um espaço e liberdade para experimentação que pode ser como uma escola para quem quer aprender cinema.”

Apesar de todos os pontos que tornam o subgênero tão excêntrico, o principal objetivo ainda é oferecer lucro aos produtores. Em outras palavras, a ideia para uma produção dessas ainda surge no desejo de obter um bom rendimento. Villaça reafirma isso ao dizer que “O filme trash é simplesmente sintoma de um contexto econômico de produção”.

Por possuir um baixo investimento, a grande maioria dos filmes desse subgênero é estreada diretamente nos canais pagos. A Syfy é uma das principais emissoras destinadas a esse fim, sendo a pioneira no lançamento da franquia Sharknado ao Brasil.



The Fly (1958)


A IMPORTÂNCIA DOS TRASH'S PARA A SOCIEDADE

Filmes trash são como obras tradicionais, capazes de provocar lágrimas, angústias e desespero no seu telespectador. Caruso enfatiza que “Cinema é entretenimento. É ótimo quando ele é executado com eficiência. Se esse entretenimento vem com um interessante estímulo intelectual, isso é um bônus. O discurso que segrega as obras, o equivocado conceito de “filme de arte”, como se não houvesse arte em todas as expressões artísticas, nunca é positivo. O que é chamado de Trash, quando bem executado, proporciona divertimento e pode também fazer pensar… Eu te dou o exemplo do “A Mosca”, de Cronenberg. Já li textos que afirmam que é Trash. Escrevi recentemente uma análise de três longos parágrafos abordando a riqueza de questionamentos existencialistas que ele me provoca”.

Segundo a pesquisa, poucas pessoas sabem que a importância dos filmes Trash é muito maior do que apenas chocar. Novamente, Octaviano Caruso explica que “O cinema começou como atração simplória de parque de diversões, os chamados Nickelodeons, salinhas que exibiam curtas em grande parte cômicos, abraçando vários gêneros, como o suspense, o faroeste, ou simplesmente mostrando cenas do cotidiano. Essas manifestações são o embrião do que é hoje em dia chamado de Trash. Tem gente que diz que filmes de artes marciais são Trash. O respeitado cineasta Werner Herzog uma vez disse: “Intelectualmente, alguém como Jean-Luc Godard é dinheiro falso quando comparado a um bom filme de Kung-Fu”. Quem estuda o gênero, mestres como Hideo Gosha, Chang Cheh e Sammo Hung, sabe que Godard (só pra citar um dentre os cineastas mais mimados pelos pseudointelectuais) não teria capacidade de montar um gaveteiro, enquanto esses profissionais faziam diariamente o impossível com extrema desenvoltura. Portanto, o que é equivocadamente chamado de “lixo” não é somente importante, foi também o responsável por existir essa indústria artística”.

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Agradecimentos especiais:

Octavio Caruso, um crítico que nos concedeu uma entrevista capaz de ampliar nossos horizontes sobre o assunto.

Pablo Villaça, um escritor que foi sincero nas suas opiniões, sem se preocupar em pisar em ovos.

Filmes Trash, uma página de humor do face que sempre esteve a disposição para nos ajudar.

E por fim, aos estudantes de Cinema, Carolina Rodrigues e Tommaso Bellone por mostrarem o papel de um filme Trash tanto na vida de um Cineasta quanto na do público.

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