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Resenha | O Cemitério - Stephen King

19:00Ayllana Ferreira

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FICHA TÉCNICA

Nome: O Cemitério
Autor: Stephen King
Páginas: 424
Gênero: Terror
Ano: 1989
Editora: Em Suma
Sinopse: Louis Creed, um jovem médico de Chicago, acredita que encontrou seu lugar naquela pequena cidade do Maine. A boa casa, o trabalho na universidade, a felicidade da esposa e dos filhos lhe trazem a certeza de que fez a melhor escolha. Num dos primeiros passeios familiares para explorar a região, conhecem um 'simitério' no bosque próximo a sua casa. Ali, gerações e gerações de crianças enterraram seus animais de estimação.

Para além dos pequenos túmulos, onde letras infantis registram seu primeiro contato com a morte, há, no entanto, um outro cemitério. Uma terra maligna que atrai pessoas com promessas sedutoras e onde forças estranhas são capazes de tornar real o que sempre pareceu impossível.

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"– A porta não deve ser aberta. – Tinha os olhos voltados para baixo porque Louis caíra de joelhos. Em princípio, Louis tomou a expressão de seu rosto por compaixão, apenas uma espécie de paciência assustadora. Ele apontou para a pilha de ossos que se moviam. – Não ultrapasse este limite, doutor, por mais que tenha vontade de fazê-lo. A barreira não foi feita para ser violada. Não esqueça: há mais poder aqui que o senhor imagina. Isto é um lugar antigo e estará sempre inquieto. Não se esqueça!" (p. 128)

Stephen King é um autor que sempre me surpreende. É impressionante como o rei do terror consegue criar perturbação em elementos tão simples do nosso cotidiano, na medida em que cria histórias incríveis e únicas a partir destes. Sempre irei me lembrar de um dos primeiros livros dele que li, Christine, que não é nada mais, nada menos do que a história de um carro assassino. Isso mesmo, você ouviu certo! Parece Trash, eu sei, mas não é. Inclusive, é uma das minhas obras favoritas, posto que eu nunca imaginei que um elemento “tão sem noção” iria se torna um antagonista tão perturbador, até mesmo “vivo” e maléfico, sem ser ridículo. Foi a partir dessa leitura que consegui ver o brilhantismo de King. Porque cá entre nós, um autor que consegue criar uma história sólida, coerente e perturbadora a partir de elementos excêntrico merece muita credibilidade e admiração dos leitores.

Mas não é só por isso que enalto tanto esse autor, e sim por sua capacidade de escrita em si. Ele é cruel, ao mesmo tempo em que é brilhante. Em grande parte de suas tramas, a narrativa é mais lenta, e os desdobramentos demoram a ocorrer. Mas mesmo na mesmice, o medo já aparece, e o clima de suspense acompanha até mesmo os bons acontecimentos.

O Cemitério foi um livro escrito em 1983, e conta todo o processo de adaptação de uma família em uma terra que não conhecem ninguém e nem os costumes. Os Creeds se mudam para uma pequena cidade do Maine, e vivem a beira de uma rodovia extremamente movimentada e perigosa. Logo após chegarem ao novo lar, eles conhecem Jude – um personagem que de início desperta muita simpatia dos leitores, mas que aos poucos se torna meio confuso, e até mesmo egoísta- . O homem se demonstra como uma figura paterna para o Louis – o protagonista e pai da família – e os dois logo criam um laço forte.

Jude se põe a disposição para ajudar a família nesse novo começo, e inclusive, faz o possível para ambientá-los com a nova realidade que irão enfrentar. Em uma de suas visitas, o homem decide apresentar aos Creeds o “Simitério de Bichos” – ortografia errada propositalmente – um local anexado ao território destes, em que por décadas, serviu como um cemitério de animais mortos de todas as crianças da região. Ao chegar ao lugar, à filha do casal fica atormentada com tantos bichos mortos e a presença mais que evidente da morte. Então, ela começa a questionar sobre a vida de seu gato Church, e entra em desespero com a ideia de que um dia, o bichano tão querido pode morrer.


“ — Meu bem — disse ele —, se dependesse de mim, Church viveria cem anos. Mas não sou eu quem dita as regras.
— Quem é então? — ela perguntou, e com infinito desprezo acrescentou: — Deus, não é?
Louis reprimiu o ímpeto de rir. Aquilo era bastante sério.
— Deus ou alguém — disse ele. — Os relógios também param… Isso é tudo que eu sei. Não temos garantia de nada, querida.” (p. 46)

Vendo a reação da menina, o anfitrião sugere ao pai desta que castre o gato, uma vez que grande parte dos animais que estavam enterrados naquele cemitério haviam sido vítimas da rodovia que passava logo em frente da casa em que estavam morando. História vai, história vem, o gato é castrado, e a família começa a viver um de seus melhores períodos e fases. Todos estão felizes, o emprego vai bem, o casal mais apaixonado do que nunca, a filha está com amigos na escolinha, e o caçulinha está crescendo saudável e feliz.

Contudo, mesmo com a castração, o destino de Church é inevitável. No feriado de ação de graças, Rachel – a mãe Creed – leva os dois filhos para passarem o feriado com seus avós, deixando Louis em casa na companhia do animal. Em uma manhã, ao se levantar, o mocinho ouve de Jude sobre um gato que havia aparecido morto em sua porta, e após uma consulta do corpo do cadáver, ficou claro que era Church.

Vendo o desespero do amigo ou meramente por maldade – ainda não sei bem definir – o velho decide apresentar ao principal uma alternativa para evitar que sua filha sofra, um cemitério próximo ao cemitério das crianças, um local bem antigo, e com poder, capaz de trazer de volta a vida aqueles que são enterrados lá.

Só que né, é uma história de terror, e não um lindo conto de fadas. O lugar é na verdade uma terra maligna, um antigo cemitério indígena dotado de poderes sombrios e com uma sede de sangue insaciável. Obviamente, o gato volta à vida, mas não é mais o mesmo. Algo está diferente. Mesmo sendo irracional, o bicho adquire posturas propositas, aparentando possuir consciência sobre seus atos cruéis e perversos com outros seres. Para piorar, um cheiro constante de morte passa a acompanha-lo

Como havia dito anteriormente, King é perverso. Desde o início, “O cemitério” é um livro que prende, e que nos obriga a continuar. A cada página, nos afeiçoamos mais aos Creeds, e sentimos desafiados a prosseguir em sua história, e descobrir o que os guarda. Nós nos sentimos parte daquela família, e começamos a torcer para que nada de sério aconteça com eles. Contudo, é bem o contrário. As consequências da atitude de Louis estraçalham e refletem em toda a família, dando a todos ele um final que em minha opinião, é extremamente cruel.

De todos os livros do escritor que já li, enquanto lia esta obra, me sentia como se estivesse descobrindo uma raridade, algo único e bem diferente de tudo aquilo que eu já havia encontrado, sendo a sua melhor obra. Porém, o mesmo final que foi cruel, foi em partes decepcionante, e em outros momentos bem previsível, pois se assemelha em partes com a resolução de “O Iluminado”.

E não é só essa a semelhança existente entre as duas obras. A partir do momento em que os pontos em comum entre elas ficam evidentes, comecei a perder parte do amor pelo Cemitério. Aquela narrativa antes excepcional se tornou comum para o autor – NÃO QUER DIZER RUIM (ênfase). E aqueles personagens antes cativantes – eu realmente amava a família Creed – se tornaram mais uma família comum em meio a todas as outras que o rei do terror já criou.

Outro ponto negativo do livro são a capa e a sinopse tendenciosa. Ambos apontam para uma grande fatalidade após o renascimento de Church, como se aquilo fosse o ponto principal da narrativa. A sinopse descreve este trecho, e a capa retrata um gato morto – na edição de bolso e algumas mais antigas. Só que não foi bem assim. A morte do animal foi importante sim, só que não para ilustrar a capa ou ser exaltada na descrição.

Se fosse para escolher uma expressão, acho que a morte do gato seria o início de uma bola de neve, pois foi ela que começou todo o ciclo de maldade que estava por vir. Em contraponto, nem sei se essa expressão está totalmente correta, uma vez que a melhor fase da família foi também a partir desse acontecimento, e as tragédias e “desgraças” só estiveram presentes no final.

O Cemitério é um bom livro, muito bom mesmo. Todavia, o escritor pecou no desenvolvimento do meio para o final. Foram acontecimentos muito drásticos que mudaram radicalmente toda a história, e que aconteceram de maneira muito breve, dando um ar de sufocamento ao leitor. Eu não me senti pronta para o final. Foi literalmente “tacou a merda no ventilador do nada”. Estava tudo bem, e poof, tudo mudou para pior. Nem em livros de drama as coisas são tão instantâneas. Além disso, devido ao final diferente e extremamente ágil, vários detalhes ficaram no ar, deixando vários buracos de desentendimento abertos. Ainda não compreendo algumas coisas que aconteceram ao longo do livro, mas talvez, esse sentimento seja intencional.

Sempre quando termino um livro do rei do terror, gosto de debater com outras pessoas. Sempre descubro entrelinhas que não havia percebido antes, ou pontos que eu achava que eram defeitos da obra, e que na verdade são qualidades. Gosto de pensar que talvez essas lacunas possuam um objetivo, e esse final 100% bad era o único que se encaixava para a conclusão dessa história.

Talvez, os sentimentos negativos que surgiram em mim foram resultantes da minha paixão por “finais felizes”, mesmo para as produções de terror. Gosto de pensar que a vida é cruel, mas que somos recompensados quando agimos da maneira correta. E bem, não houve isso nesse livro. Só sangue para todos os lados.

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