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Os estereótipos femininos no cinema e como eles afetam a sociedade

18:26Cecília Rodrigues


Você já passa por todo o processo de ir até o cinema da sua cidade, compra o ingresso e algo pra comer (seja uma pipoca, um chocolate ou algo do tipo), passa pelo sufoco de achar seu lugar na sala escura e ainda é obrigada a ver 4253552 trailers de filmes diferentes. E quando o filme que você tanto queria ver começa... Você não consegue se sentir representada naquela obra.
Bom dia/Boa tarde/Boa noite, leitores. Hoje estou aqui para guia-los pelos estereótipos femininos da cultura pop (incluindo, principalmente, filmes e jogos). Então, vem comigo!

A “Born Sexy Yesterday”

Sabe quando alguém está mentindo e você fala “tá achando que eu nasci ontem”? É basicamente o conceito principal da Born Sexy Yesterday (na tradução literal, Nascida Sexy Ontem), o estereótipo no qual a mulher é sensual, mas é tão ingênua e inocente que não sabe o efeito que isso tem nos homens ao seu redor – ou seja, ela não faz ideia da sua sexualidade. Ela também pode ser descrita como uma criança no corpo mulher adulta, a ficção científica gosta de fazer personagens assim, Ah, e além disso, essa é também na maioria devastadora das vezes o par romântico do cara principal.

Qual o problema desse estereótipo? Primeiramente, fortalece a ideia de um homem experiente que fica com uma mulher inocente (que tem raízes profundas na ideia de uma mulher infantilizada e sem experiência, que pode ser “guiada” pelo mundo por um homem capaz).

Como desconstruir o estereótipo?  A personagem Seven of Nine (Star Trek: Voyager) começa com todas as características de uma Born Sexy Yesterday, mas conforme a série progride, ela tem um arco de autodescoberta e conflitos morais que transcendem o arquétipo.

Exemplos de Born Sexy Yesterday:
·         Leeloo (O quinto elemento)
·         Quorra (Tron: Legacy)
 Madison (Splash: Uma sereia em minha vida)


A “Manic Pixie Dream Girl”


A Manic Pixie Drem Girl não é nada mais, nada menos do que aquela garota-acessório. Ela costuma passar despercebida pela maior parte dos espectadores, mas tudo se resume ao fato de ter pouca/nenhuma personalidade, além de ser uma garota infantilizada e ingênua, que está ali apenas para mostrar ao protagonista “o lado bom da vida”. Ela aparenta ser como uma criança, agindo como se o mundo fosse lindo.

Qual o problema desse estereótipo? Ao colocar a figura feminina como um acessório que só serve para desenvolver um personagem masculino e nunca ser protagonista de sua própria história, incentivamos meninas a ocupar um papel sempre secundário na sociedade.

Como desconstruir o estereótipo?  Com Giselle (Encantada), a princesa que vai para o mundo real tem uma personalidade que contrasta com seu par romântico, Robert, e que eventualmente aprende “o lado bom da vida” com a personagem. Mas ela também cresce com a personagem dele e escolhe ficar no mundo real, ao contrário do que uma personagem tradicional fazia.

Exemplos de Maniac Pixie Dream Girl:
Ramona Flowers (Scott Pilgrim VS O mundo)
Penny Lane (Quase Famosos)
Claire (Tudo acontece em Elizabethtown)

A “Princípio Smurfette”

O Princípio Smurfette é o mais simples: surge (adivinha) na série animada dos Smurfs, com vários personagens com personalidade e talentos diferentes e apenas uma menina, cuja principal (e única) característica marcante é ser uma menina. Isso pode parecer muito bobo, mas é surpreendente quantas obras querem colocar uma garota no meio de vários personagens masculinos para pagar de “inclusivo”.

Qual o problema desse estereótipo? Ao reduzir uma mulher ao fato de ser mulher, sem dar importância a personalidade/talentos/características, você reduz 50% da população mundial a uma só característica: seu sexo biológico.

Como desconstruir o estereótipo?  11/Jane (Stranger Things) como uma boa homenagem aos anos 80, começa a história como a única garota em um grupo de meninos, mas reverte o arquétipo ao se mostrar a mais poderosa de todos, e ao protegê-los – uma tarefa tipicamente reservada ao homem.

Exemplos de Princípio Smurfette:
·         Princesa Leia (Trilogia Star Wars)
·         Penny (The Big Bang Theory)
·         Beverly (IT)


A “Chefona Poderosa”

Recorrente em comédias românticas, essa personagem é estressada, fria, infeliz e (olha só que coincidência) muito bem sucedida na carreira profissional. Esse estereótipo quase sempre vem acompanhado por um contraponto masculino que “mostra” a ela como ser feliz fora do emprego. Ela normalmente é masculinizada e vai se tornando mais feliz e feminina conforme se apaixona.

Qual o problema desse estereótipo? Isso mostra como a mulher tem que escolher entre a carreira e o relacionamento, sem poder ser feliz (ou tentar) com ambos, além de ver a mulher sem um relacionamento romântico e hétero como incompleta e insatisfeita.

Como desconstruir o estereótipo?  Jules Ostin (Um senhor estagiário) é uma mulher bem-sucedida, estressada e infeliz em seu relacionamento, mas no decorrer do filme, seu personagem tem que lidar com as várias questões de ser uma mulher/esposa/mãe/profissional, e acaba por não escolher só um aspecto de sua vida; mas tenta balancear todos eles com o esposo (um final super progressista pra uma comédia, se você me perguntar).

Exemplos de Chefona Poderosa:
·         Miranda Presley (O diabo veste Prada)
·         Alice (De pernas pro ar)
·         Margaret Tate (A proposta)


A “Femme Fatale”

Surgido no film noir, a “mulher fatal” é uma figura hipersexualizada que manipula e usa os homens ao seu redor, muitas vezes sendo a personagem mais inteligente e poderosa da trama. Ela também pode ter habilidades físicas acima dos homens com quem convive, sempre mostrando seu talento como decorrente do fato de ser uma mulher sensual.

Qual o problema desse estereótipo? Ao mostrar uma mulher inteligente, que é uma vilã/anti-heroína e normalmente morre no final a mensagem é clara: é isso acontece com uma mulher que decide ter voz e poder.

Como desconstruir o estereótipo?  Evelyn Mulray (Chinatown) é mostrada durante basicamente o filme todo como uma mulher fatal, porém no fim do filme descobrimos que ela havia sido estuprada. Ou seja, não só ela não é a vilã: ela é a vítima de uma sociedade que a sexualiza.

Exemplos de Femme Fatale:
·         Catherine Tramell (Instinto selvagem)
·         Mulher gato (Batman)
  Viúva Negra (Universo Marvel)


A “Mulher na Geladeira”


Em Lanterna Verda #54, Kylo Rayner encontra a namorada Alex DeWitt assassinada e estocada dentro de sua geladeira. A morte de Alex serviu apenas para desenvolver um novo arco para Lanterna Verde e hoje usamos a “mulher na geladeira” para denominar uma personagem feminina que sofre/é morta com o único objetivo na trama, que é desenvolver ou motivar um personagem masculino.

Qual o problema desse estereótipo? Motivação masculina não é motivo pra estupro, feminicídio ou violência. Isso não existe, coleguinha.

Como desconstruir o estereótipo?  James Fraser (Outlander) é estuprado na série pelo vilanesco Black Jack, apenas para ser salvo depois por seu par-romântico, Claire. Na série, seu abuso é claramente mostrado como uma violência e é um ponto marcante para a personagem, não apenas para sua companheira. Essa troca de gênero na história que já vimos acontecer mostra quão absurda é a ideia de mostrar violência contra a mulher com o único objetivo de “dar motivo” para o herói.

Exemplos de Mulher Geladeira:
·         Murron (Coração Valente)
·         Batgirl (A piada mortal)
·         Gwen Stacy (O espetacular homem aranha)

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Toda essa falta de representação feminina fazem as meninas crescerem e amadurecerem sem nenhum exemplo de mulher realista na TV ou em qualquer coisa da cultura pop. Enquanto os homens são criados achando que devem ser “machões” que não choram e sempre tem de salvar o dia.
Mas isso é assunto pra outro post. (Spoiler Alert!)

E você pode até pensar “Ah, Cecília, mas ninguém liga pra isso”. E é aí que você se engana. Aqui estão os relatos femininos de como isso não é uma questão de algumas pessoas, mas sim de uma sociedade inteira:

É um pouco triste pois sempre fui muito fã de personagens homens, já eles eram os protagonistas e poderosos. Mas, já é assim, eu acho que a gente acaba se acostumando com isso que acaba sendo visto como “normal”
Maria Fernanda Cardoso , 17 anos, estudante

“Eu sinceramente acho que isso é uma babaquice e uma grande criação do machismo. Ao mesmo tempo, me sinto triste e com raiva pois no mundo cinematográfico e até mesmo nos games (onde nós, mulheres, participamos tanto quanto os homens) nosso gênero não é representado de forma realista e correta”
Vitória Leite, 14 anos, estudante

Talvez pelo fato do público feminino ter se tornado mais presente e exigir mais, ou talvez até mesmo pelo fato das mudanças culturais que o mundo tá tendo,  a cultura pop que sempre foi uma tentativa de representação da nossa sociedade (tipo saber que o Super Homem foi feito p mostrar o poder dos Estados Unidos na guerra,  ou o Batman ter aparecido depois da década de 20 que tinha muita violência nos EUA e precisava de um justiceiro ali) tem se diferenciado um pouco tbm. [...] Até então, algumas personagens que até estavam ali nos quadrinhos e não sobressaiam, hoje até por questões midiáticas ganham séries e filmes que de certa forma têm o papel de redescobrimento de tais personagens, como por exemplo a Jessica Jones que veio dos quadrinhos da Marvel e ganhou muita força com a série.
Brenda, 20 anos, estudante de arquitetura

Eles não são só formas de entretenimento, mas transmissores e produtores informação. Tem uma grande responsabilidade educativa, mesmo quando não visam esse objetivo.
Eu fico extremamente decepcionada ao ver padrões femininos que se repetem, como se todas nós tivéssemos que atender aos mesmos requisitos específicos. Nós, mulheres, não temos que seguir o que foi determinado pela sociedade como 'o que é ser mulher'. A nós, cabe apenas ser.
Felizmente essa discussão de gênero tem ganhado espaço e tem pressionado os meios a mudar sua postura. Não só no que tange as personagens femininas fictícias, mas à participação das mulheres na produção de conteúdo, ganhando espaço nas funções criativas. Se, por conscientização própria ou por pressão social, a mídia quebra esses arquétipos, ela influencia a sociedade a repensar as questões de gênero.
Laryssa Prado, 24 anos, jornalista e mestranda

A má representação feminina no cinema faz com que aumente o machismo e o preconceito como um todo - desde valores a até mesmo concepções de valor do corpo feminino. Se crianças crescem assistindo filmes, jogando jogos e vendo desenhos que tragam mulheres como inferiores, ou personagens femininas como fracas, é claro que eles crescerão pensando que o mundo é assim, afinal, ainda estão em fase de formação.

Ayllana Ferreira, 19 anos, estudante de jornalismo

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